Diagnóstico de Posicionamento para Marcas de Design
Uma abordagem estratégica para construção de valor, diferenciação e relevância no mercado
Em um cenário de saturação de marcas e excesso de estímulos visuais, especialmente nos setores criativos, torna-se imprescindível que marcas de design — sejam estúdios, designers independentes, coletivos ou marcas autorais — possuam um posicionamento claro, consistente e estrategicamente construído. O diagnóstico de posicionamento surge como uma ferramenta essencial para compreender o lugar que a marca ocupa (ou deseja ocupar) na mente do público, nos circuitos profissionais e na cultura contemporânea.
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1. Conceituando o Posicionamento de Marca
A ideia de posicionamento de marca foi consolidada nos anos 1970 por Al Ries e Jack Trout, que definiram o conceito como o ato de “desenhar a oferta e a imagem da empresa de forma que ela ocupe um lugar distinto e valorizado na mente dos consumidores” (Ries & Trout, Positioning: The Battle for Your Mind, 1981).
No contexto das marcas de design, esse “lugar” não é apenas funcional ou emocional — mas também simbólico, estético e cultural. A marca comunica seu valor por meio de narrativas visuais, linguagem autoral, escolhas de materiais, curadoria de portfólio e associação com determinados estilos, públicos ou causas.
2. Por que diagnosticar o posicionamento de uma marca de design?
Marcas de design — sejam elas estúdios independentes, marcas autorais ou coletivos multidisciplinares — muitas vezes surgem a partir de uma força criativa impulsiva: um estilo próprio, uma visão estética singular ou uma inquietação intelectual diante das formas, materiais e experiências do mundo. Essa origem intuitiva confere à marca um caráter autêntico e carregado de subjetividade, o que pode ser extremamente valorizado em um mercado saturado de soluções genéricas.
No entanto, essa construção orgânica — não mediada por uma estratégia explícita — tende a gerar, com o tempo, zonas de desalinhamento que comprometem a clareza e a força do posicionamento. Isso acontece porque a identidade da marca se desenvolve de forma reativa (a projetos, colaborações ou tendências), e não necessariamente de forma coerente com um norte estratégico.
Esses desalinhamentos ocorrem, geralmente, em três níveis principais:
1. Desalinhamento entre o discurso e a entrega
A marca pode comunicar uma proposta conceitual sofisticada, mas seus projetos não sustentam esse discurso; ou, ao contrário, pode realizar trabalhos inovadores, mas comunicá-los de forma genérica ou dispersa, enfraquecendo sua percepção de valor.
2. Desalinhamento entre a autoimagem e a percepção externa
Enquanto internamente a marca se enxerga como disruptiva ou premium, o público pode percebê-la como inacessível, confusa ou mal posicionada em relação à concorrência. Esse descompasso impacta diretamente na conversão de público e na construção de autoridade.
3. Desalinhamento entre identidade e objetivos estratégicos
Muitas marcas criativas almejam escalar sua atuação, diversificar serviços, entrar em novos mercados ou elevar seu ticket médio. No entanto, uma identidade visual mal estruturada, um portfólio inconsistente ou uma narrativa mal definida se tornam barreiras silenciosas para essa expansão.
É nesse ponto que o diagnóstico de posicionamento se torna uma ferramenta crucial.
Ele atua como uma lente crítica que permite observar com distanciamento os ativos simbólicos, visuais e discursivos da marca. Mais do que apontar falhas, o diagnóstico oferece clareza: ele reconecta a essência criativa da marca com seus objetivos de negócio e com o ecossistema de referências e concorrência no qual ela está inserida.
O processo de diagnóstico também tem um efeito reflexivo: ele ajuda a marca a reconhecer sua própria linguagem e assumir uma postura mais deliberada sobre como quer ser percebida — sem abrir mão de sua autenticidade, mas incorporando consciência estratégica.
Como resultado, a marca passa a operar não apenas como expressão estética, mas como entidade comunicacional estrategicamente posicionada, capaz de articular com precisão seus diferenciais, seu propósito e seu valor no mercado.
Vantagens do diagnóstico:
Alinhamento entre discurso e prática
Identificação de oportunidades de diferenciação
Mapeamento de concorrência e benchmarks
Compreensão das percepções do público
Base sólida para rebranding ou expansão de mercado
Segundo Kapferer (2012), “uma marca é tanto aquilo que ela diz ser, quanto aquilo que os outros dizem que ela é”. Ou seja, sem um diagnóstico que integre percepção interna e externa, não há posicionamento sólido.
3. Fundamentos teóricos: como uma marca se posiciona?
3.1 Arquétipos de marca
Autores como Margaret Mark e Carol S. Pearson (The Hero and the Outlaw, 2001) propõem que marcas se posicionam também por meio de arquétipos universais — como o Criador, o Rebelde ou o Sábio —, que ajudam a estruturar narrativas de identidade e conexão emocional.
3.2 Modelo de identidade de marca de Kapferer
Kapferer propõe o Prisma da Identidade de Marca, com seis dimensões:
Físico (o que a marca é visualmente)
Personalidade (traços humanos associados)
Cultura (valores e princípios)
Relacionamento (tipo de vínculo com o público)
Reflexão (imagem que a marca projeta do consumidor)
Autoimagem (como o público se sente ao consumir a marca)
Essas dimensões são essenciais para mapear se a marca está coerente com sua intenção.
3.3 O “Golden Circle” de Simon Sinek
O modelo "Golden Circle" (Por quê > Como > O quê) é especialmente relevante para marcas de design, pois permite resgatar a razão de existência da marca, articulando seu propósito com sua prática de criação e com os produtos ou serviços entregues.
4. Etapas de um diagnóstico de posicionamento
A seguir, apresentamos uma estrutura metodológica adaptada para marcas de design:
4.1 Análise Interna
Propósito, visão e valores
Histórico da marca
Portfólio e principais projetos
Tom de voz e linguagem visual
Modelo de negócios e diferenciais percebidos
Ferramentas úteis: Análise SWOT, Mapa de Arquétipos, Golden Circle
4.2 Análise Externa
Pesquisa com clientes e parceiros
Benchmarking de concorrentes e referências
Percepções em redes sociais e reviews
Tendências do setor e comportamentos de consumo
Mapeamento de clusters de mercado (luxo, autoral, comercial, etc.)
Ferramentas úteis: Entrevistas qualitativas, análise semiótica de identidade visual, Netnografia, Mapa de Posicionamento
4.3 Cruzamento e síntese
Identificação de gaps entre intenção e percepção
Identificação de territórios possíveis (ainda não ocupados)
Definição do território atual da marca (reconhecimento espontâneo e projetado)
Projeções de reposicionamento, ajustes ou fortalecimento
5. Exemplos de posicionamento em marcas de design
A) Marcas autorais com forte assinatura estética
Ex: Studio Formafantasma, Irmãos Campana
Posicionamento: “Design como discurso político e estético”
B) Estúdios com foco em inovação funcional
Ex: IDEO, Fuseproject
Posicionamento: “Design centrado no usuário e na resolução de problemas”
C) Marcas de design-lifestyle com foco em desejo e identidade
Ex: Hay, Muuto, Aesop
Posicionamento: “Design como experiência sensorial, estética e aspiracional”
Esses exemplos mostram como o posicionamento não se resume ao que se faz, mas ao modo como se comunica, se relaciona e é percebido.
6. Diagnóstico como ponto de partida para branding estratégico
O diagnóstico de posicionamento não é o fim do processo, mas seu início. Ele orienta decisões futuras sobre:
Estratégias de branding e comunicação
Curadoria de portfólio e linguagem visual
Posicionamento digital e presença em eventos
Parcerias, colaborações e expansão de mercado
Naming, rebranding e identidade verbal
Meshmatics, por Rick Tegelaar, 2017 para Moooi.
Diagnosticar o posicionamento de uma marca de design é um exercício de autoconhecimento estratégico. Em um setor no qual estética, conceito e subjetividade se entrelaçam, a clareza de posicionamento permite à marca ser reconhecível, coerente e desejada.
Mais do que um diferencial competitivo, o posicionamento bem construído é um ato de afirmação de identidade — uma escolha sobre como a marca deseja ser lembrada, interpretada e, principalmente, valorizada.